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Propriedade, Domínio e Posse; Cessão e Compra e Venda

A transferência de direitos sobre imóveis sem regular inscrição junto ao Registro de Imóveis competente é prática bastante comum em várias cidades do país, incluindo o próprio Distrito Federal, Florianópolis e, ainda, regiões rurais de muitos estados, como Goiás e Tocantins, entre muitos outros.

Como esses negócios não transmitem a propriedade sobre o bem imóvel, objetivamente, surgem inúmeras dúvidas sobre a segurança deste tipo de negócio jurídico, sua forma correta, modo de registro e outras questões.

Este simples artigo é escrito para esclarecer esses pontos para as pessoas envolvidas neste tipo de assunto, ou seja, não está sendo escrito para advogados e/ou operadores de direito, mas pessoas comuns que precisam esclarecer dúvidas a respeito e, portanto, com linguagem simples e acessível!

A indicação de artigos de leis, então, quando realizada, é apenas para facilitar aos mais curiosos aprofundarem a compreensão. Aos que se derem satisfeitos com as informações deste artigo, não julgo necessário que façam suas respectivas leituras!

Então, vamos lá!!!

Começando pelo começo: o que é propriedade, posse e domínio!

Bem, existe regra de interpretação de lei que define não existirem termos inúteis na legislação e, a menos que identidade de termos seja expressa, devem ser considerados distintos.

Vamos ao que nos importa ao momento!

Propriedade

propriedade é a titularidade formal de uma pessoa sobre um bem e o primeiro e mais amplo dos chamados Direitos Reais (art. 1.225 CC). Ela confere ao titular (proprietário) o direito de usaraproveitar e se desfazer do bem, podendo recorrer à polícia ou justiça para retomá-lo de quem injustamente o possua (art. 1.228 CC)!

Pensando especificamente em bens imóveis, como uso aproveitamento (ou gozo e fruição, como a lei chama) está o direito de nele habitar, produzir, construir, alugar, emprestar, etc.
Quanto a se desfazer do bem, de regra, estão as hipóteses de abandono, venda ou doação!

A propriedade sobre bens imóveis é um vínculo formal, como dito, somente válido e reconhecido mediante registro junto ao cartório de imóveis da localidade, cuja matrícula é título que registra e confere, pública e justamente, este direito de propriedade. Se não estiver em registro, não é proprietário

Além disso, a compra e venda da propriedade, para ser válida, deve ser obrigatoriamente realizada por meio de escritura pública para imóveis de valor superior a 30 salários mínimos (atr. 108 CC). É a forma do contrato exigida pela lei para tal finalidade (transferir propriedade de imóveis de valor elevado).

Posse

Aqui já começam algumas distinções da posse para com a propriedade.
A posse não é Direito Real, o que significa que 

(1) não precisa de registro em cartório de imóveis e 

(2) sua compra e venda ou cessão pode ser realizada por qualquer meio, inclusive verbal, sem maiores formalidades (ainda que altamente aconselhável que se faça por escritura pública ou, pelo menos, por meio de contrato com reconhecimento de firma e duas testemunhas, sempre)!

De acordo com a lei, considera-se possuidor aquele que tem de fato o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.196 CC), como por exemplo o uso e gozo; ou seja, posse é exercício de fato de um direito sobre um bem, e não estritamente formal, como a propriedade!

Assim, a posse não se confunde com a propriedade, o que faz com que se possa ter propriedade, mas não a posse, ou o contrário!
Por exemplo, o locatário ou inquilino tem o uso do imóvel (por isso posse, vez que o uso é poder inerente à propriedade), mas ele não tem a propriedade formal (imóvel registrado em nome de terceiro); já o locador tem a propriedade (está registrado no nome dele), mas não a posse do bem locado, pois sob uso direito do locatário!

Seguindo o mesmo exemplo, na sublocação o locatário transfere a posse a terceiro, mas não a propriedade, obviamente! Note que a posse, portanto, é direito que pode ser objeto de locação (sublocação, no caso) e, por certo, também de venda ou cessão (veremos a distinção adiante).

E o Domínio?

Diferentemente de Propriedade ou Posse, o Domínio não tem uma classificação precisa na legislação, de modo que é o mais abstrato dos conceitos.

De acordo com doutrina e jurisprudência mais atuais, domínio é o vínculo material de submissão direto e imediato de uma coisa ao poder de alguém, através do exercício das faculdades de usar, gozar ou fruir, dispor e reaver.
Pode-se dizer, de modo mais simples, então, que domínio é o estado de sujeição dos bens à uma pessoa, que, portanto, sobre eles o exerce (o domínio) por meio de um ou mais dos atributos da propriedade, como uso, gozo, fruição, posse, etc.

Assim, regra geral, é correto dizer que o domínio está sob sujeição do proprietário, mas ele pode ser dividido com o possuidor, se este for distinto do proprietário. Assim, duas ou mais pessoas podem exercer domínio sobre o mesmo bem, assim como pode, em determinadas situações, o proprietário não deter o domínio, transferindo-o a terceiros por meio da posse, por exemplo.

Agora, é Compra e Venda ou Cessão?

Compra e Venda ou Cessão são negócios jurídicos distintos entre si e é preciso compreendê-los para saber quando estamos realizando um ou outro, no caso prático!

Da Compra e Venda

O contrato de compra e venda é chamado contrato típico, pois expressamente regulamentado pelo Código Civil Brasileiro (art. 481 CC). Aqui, vou me permitir copiar exatamente o texto da lei, por ser simples e usar um dos termos que tratamos acima, veja:

Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

Veja, a compra e venda transfere o Domínio, mas não necessariamente a propriedade ou a posse…, mas sem problemas se for uma, outra ou ambas. Tudo de acordo com a vontade das partes!

Lembre-se, usar, gozar, fruir, possuir… tudo são formas de expressão fática do domínio de alguém sobre o bem e, por serem todos direitos reconhecidos pela lei, podem ser transferidos a terceiros por negócios jurídicos diversos (doação, compra e venda, etc.).

O que é importante é que o direito a ser transmitido (propriedade ou posse) seja, de fato, do vendedor! Ou seja, somente o proprietário (aquele registrado no cartório de imóveis) pode vender a propriedade! Somente o possuidor (aquele que exerce o poder de uso) pode vender a posse!

Isso é tão certo que quando, por exemplo, o proprietário vende um imóvel alugado, por exemplo, diz-se que vendeu a nua-propriedade, ou seja, vendeu a propriedade sem a posse (daí propriedade nua); pois, no exemplo, a posse é do locatário – e continuará sendo até a extinção do contrato de locação, quando a posse retorna ao proprietário, seja ele quem for no momento!

Aqui, então, vamos ao ponto!
Quando o proprietário (aquele registrado no cartório de imóveis como tal) transfere o direito de usar, de modo definitivo, para que terceiro aproveite o imóvel ou lote como se seu fosse, o que ele está vendendo, na verdade? A POSSE!

Sim, se a pessoa é proprietária de um imóvel e quer vender o domínio do uso sobre uma parcela (lote) deste imóvel e que, por qualquer motivo, não poderá ser objeto de registro junto ao cartório de imóveis (para que o adquirente seja proprietário), ele está, na verdade, entregando o direito de POSSE, para que o terceiro USE e GOZE como se fosse seu, podendo nele construir, habitar, produzir, ceder, alugar, emprestar, etc.

E a Promessa de Compra e Venda?

O nome é intuitivo, mas muitos confundem o contrato de promessa de compra e venda com a compra e venda em si!

Como diz o nome, quando as partes desejam realizar a compra e venda, mas por algum motivo, não podem fazê-lo no próprio ato, formalizam o contrato de promessa de comprar em vender.

É comum em situações em que o comprador não possui todo o valor do negócio e depende de financiamento imobiliário. Nesses casos, as partes assinam contrato de Promessa de Compra e Venda, mediante pagamento de sinal do Promitente Comprador ao Promitente Vendedor. Uma vez aprovado financiamento, as partes formalizam o contrato de Compra e Venda, propriamente, em que um faz o pagamento e o outro a transferência do domínio/propriedade!

Saiba que não existe apenas a promessa de compra e venda… qualquer promessa, em tese, pode ser objeto de contrato, inclusive a promessa de alugar, emprestar, entregar, fazer, etc.

Então, lembre-se, somente use os termos promitente comprador/vendedor se for, efetivamente, contrato de promessa, e não de compra e venda propriamente, situação em que haverá somente comprador/vendedor, não mais promitentes!

Da Cessão

Agora que você entendeu a Compra e Venda da Propriedade, da Posse ou de ambas, está no momento de entender melhor a Cessão!

O contrato de cessão não transfere direitos sobre uma coisa, como a propriedade, a posse ou outro qualquer!
Doutro modo, a cessão transfere os direitos e obrigações de uma pessoa dentro de um contrato, ou, como se diz usualmente, transfere a ‘posição contratual‘ de uma pessoa para outra! Calma… vamos lá!

Digamos que A (vendedor) é proprietário de um imóvel e assinou contrato de compra e venda da posse de um lote dentro de sua propriedade para B (comprador), que assumiu o compromisso de pagar, pela posse, um determinado número de parcelas de valor específico (compra e venda parcelada).
Em determinado momento, antes de quitar o contrato, B (cedente) resolve transferir para C (cessionário) o contrato. O indivíduo C pagou um valor (normalmente chamado de ágio) para B e assumiu, perante A, o compromisso de manter o pagamento do saldo de parcelas, tornando-se então o novo possuidor do lote! Na prática, C pagou para B sair do contrato e assumiu a ‘posição contratual’ perante A!

Aqui um ponto importante: na cessão, o credor (no caso, proprietário A) deve expressamente concordar com a cessão de B para C, pois este será o novo devedor das parcelas, não podendo mais B ser cobrado pela dívida! Por isso A deve anuir com o contrato de cessão (A deve assinar como ‘anuente’ do contrato de cessão entre B e C)!

Em outras palavras:

O instituto da cessão consiste no negócio jurídico pelo qual ocorre a transferência de posição contratual de uma das partes contratantes (cedente) para um terceiro (cessionário), estranho a relação contratual primitiva, com o consentimento da parte remanescente do contato-base (cedido ou anuente).

Agora, no mesmo exemplo, se B simplesmente transferir a posse do lote para C, sem anuência de A ou após a quitação do contrato original, estará ocorrendo novo contrato de compra e venda de posse entre B e C, autônomo e independentemente do primeiro (entre A e B)!

Por fim, é seguro realizar contrato de Cessão ou de Compra e Venda da Posse?

A lei e jurisprudência têm cada vez mais se adaptado para essa situação, reconhecendo os legítimos interesses dos envolvidos e suas expectativas e direitos.

Entretanto, ao negociar a posse, é fundamental ter-se maiores precauções do que no contrato de propriedade!

Enquanto a propriedade é de fácil identificação (registro do imóvel no cartório competente), a posse é direito decorrente do efetivo exercício do uso e gozo, o que pode ser objeto de errada percepção. Como saber se o cedente/vendedor é, de fato, titular do direito de posse, se tal não é objeto de registro em nenhum cartório, necessariamente, podendo até mesmo ser verbal o contrato ou nem mesmo existir (caso da pessoa que simplesmente tomou posse de imóvel abandonado)?

A melhor forma de precaver-se, então, é assegurar-se quanto à origem possessória do imóvel em relação ao pretenso vendedor; ou seja, descobrir de onde vem seu direito de posse.

Para isso, basta identificar no cartório de registro de imóveis da localidade o verdadeiro proprietário e, então, verificar se o vendedor tem todos os contratos de cessão/venda da posse, desde o proprietário, até ele mesmo! É montar a cadeia possessória desde seu proprietário.

Melhor se todos os contratos tiverem sido realizados por escritura pública ou, pelo menos, com firma reconhecida em cartório.
Mas lembre-se que, por não ser a posse Direito Real (art. 1.225 CC), não existe forma exigida em lei para tal contrato, podendo até mesmo ser verbal! Entretanto, contratos verbais são extremamente difíceis de serem provados, daí sua fragilidade!

Além disso, fique atento se a ocupação do imóvel é recente ou não!
Posses mais antigas são mais seguras em relação ao risco de o imóvel ser contestado judicialmente, pois a posse pacífica e já consolidada há muitos anos costuma ser mais favorável, inclusive para aplicação da usucapião (modalidade de aquisição da propriedade pela posse ao longo dos anos)!

O melhor, sempre, é procurar um corretor de imóveis registrado, uma imobiliária ou um advogado, para que estes possam lhe auxiliar na análise dos documentos e alertá-lo sobre eventuais riscos; mas sim, comprar a posse ou obtê-la por cessão é um negócio lícito, admitido e protegido pelo direito e, se bem realizado, seguro o bastante!!!

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